sábado, 24 de dezembro de 2016



CTHULLU. O chamado de H. P. Lovecraft.


Acabei de ler, pela primeira vez, algo escrito por H.P. Lovecraft. O chamado de Cthulhu. O personagem, segundo informações colhidas a esmo em noites insônitas no emaranhado invisível da net, é a criação maior de seus autor. Trata-se de uma criatura pavorosa que dorme à espreita nos confins abismais dos oceanos e espera, em sua cidade fantasmagórica, o despertar. Esse despertar virá a partir de rituais arcanos e secretos realizados por humanos. Cthulhu é uma criatura imensa, com cabeça de polvo, asas nas costas e garras retorcidas nas mãos e nos pés, sua comunicação, sempre causadora de distúrbios, ocorre telepaticamente.
Parece aterradora e poderia ser na época em que foi escrito mesmo. Mas e hoje? Eu li esse que é tido como mestre do terror, e não senti sequer uma cócega. E não senti sequer algo vagamente perturbador em meu juízo.
Lovecraft insiste, em seu texto, em adjetivos do tipo "sinistro", "caótico", "insano", "secreto", e termos que aparentemente devem causar tais sentimentos. Mas não causa. A palavra "sinistro" presente em um texto não torna o mesmo sinistro. Seria o mesmo que dizer que S/I/N/IS/T/R/O, causa medo. Não causa. A palavra em si não é perturbadora. O ambiente criado deve instaurar medo.
E Lovecraft não consegue criar esse ambiente, essa atmosfera de horror. E ele insiste, e muito, nesses adjetivos. Quase como que quisesse nos convencer que o que ele fala é medonho! Creio que nesse texto a palavra "sinistro" e similares deve aparecer umas cem vezes e com insistência.
Observem Poe. No poema O Corvo não há muitas menções a tais termos, mas a atmosfera nos convence que há algo sinistro acontecendo. Quando o corvo surge, ele é mais assustador do que Cthulhu! Outro poema bastante perturbador é O Morcego, de Augusto dos Anjos, que só peca por querer explicar o morcego no fim. Mas a atmosfera das três primeiras estrofes nos enche de medo e pavor e de sombras. Nesses dois poemas notamos a existência de um mal, de um desequilíbrio, de uma insanidade e de uma realidade que parece estar além de nós, embora seja nós mesmos essa realidade.
A loucura e insanidade, tão reivindicadas pelos personagens de Lovecraft, não tem sequer a centelha das mesmas conforme presenciamos em Poe. A queda da casa de Usher. O gato preto. O retrato oval. Por que esses contos ainda causam medo? Por que esses contos nos fazem sentir a realidade do mal?
Porque são calcados no homem e em sua vida. Lovecraft credita suas insanidades a criaturas exteriores. É primitivo. Transferir a existência do mal e da loucura para entidades fantasmagóricas que vivem em cidades imaginárias, é coisa de humanos pré-escrita. O mal existe, porque o homem existe e não porque Cthulhu está adormecido e será invocado.
O que é um corvo? Apenas uma ave. Causa medo? C/O/R/V/O. Não. Mas quando lemos The Raven nunca mais veremos aquela simples ave da mesma maneira. Eu lembro quando li esse poema pela primeira vez. Não dormi pensando na fineza do mal e da loucura.


O que é Cthulhu? Uma criatura sinistra que surge do mar pavoroso e caótico e provoca insanidade através da telepatia. Causa medo. Não. Nem vampiro hoje causa medo. Descrições como Cthulhu causariam medo em fins do século XVIII, no auge do romantismo fantástico de Hoffmann e similares. Porém o zeitgeist contemporâneo perdeu o medo até de vampiros e de lobisomens.
Apenas crianças teriam de medo de Cthulhu. E podem ter. Estão na idade de se apavorarem com descrições que são sinistras, porque a palavra "sinistra" está lá, porque a palavra "insana" está lá.
Vejam O Pesadelo, de Fuseli. Isso é perturbador. E sabem o que é mais perturbador nesse quadro? O cavalo. Algo tão corriqueiro. Um cavalo! E é mais aterrador do que todas as vezes que Lovecraft insiste que Cthulhu é sinistro, é pavoroso e é insano!
Essa forma de terror de Lovecraft, cheia de adjetivos e sem impacto, estranhamente influenciou muitos bons escritores e hoje até em games há referências às criaturas sinistras, pavorosas, perturbadoras, sinistras e insanas dele. Nesse caso, embora com resultados grotescos, os alunos superaram seu mestre.
Enfim. Conheci Lovecraft. E estou rindo até agora do incrivel Godzilla tentacular dele. Imaginem Godzilla emergindo do mar e destruindo uma cidade. É apenas isso. Cthulhu não personifica nossos medos e angústias, como Poe faz em tudo o que escreve. Como dos Anjos faz no Morcego, como Fuseli faz no Pesadelo. Cthulhu é uma criatura gigantesca que existe. Que é sinistra e é melhor nem mesmo falar sobre ela.


Daria mais certo em Pacific Rim... vejam a gravura! É um monstro assustador! Não adianta insistir em colocar mais do que isso nele, nem seu criador conseguiu.

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